Seringomielia é uma doença em que cavidades preenchidas por líquido se desenvolvem ao longo da espinha dorsal. Algumas pessoas referem-se à doença como “doença da coceira do pescoço” porque coçar o ar, próximo ao pescoço, é uma manifestação comum da doença.

A seringomielia é uma consequência da obstrução ao fluxo do líquido cérebro-espinhal (LCE). Nos mamíferos, o LCE que circunda o cérebro movimenta-se para frente e para trás com o pulso arterial. Se esse influxo e efluxo é obstruído, a onda de pressão é transmitida para a medula, distendendo-a abaixo da obstrução. O resultado é a formação de cavidades ou bolsas ao longo da medula. A seringomielia pode ocorrer por qualquer obstrução no espaço sub-aracnoideo (espaço que contém o LCE ao redor do cérebro e da medula). Entretanto, a causa mais comum é o cerebelo que é pressionado contra o forâme magno. Esta doença ocorre em várias raças de pequeno porte, mas é mais comum no Cavalier King Charles Spaniel. A doença é similar a uma doença que ocorre em seres humanos, chamada de Mal-formação de Chiari, por isso a doença também é conhecida como Chiari-Like Syndrome.

O sintoma mais importante na seringomielia é a dor, que é, geralmente, localizada na região do pescoço. Os proprietários referem que a dor costuma piorar a noite, pela manhã ao levantar, em temperaturas extremas de frio ou calor ou quando agitados. Os cães afetados comumente preferem dormir com a cabeça um pouco elevada. Eles parecem ser extremamente sensíveis ao toque em um lado do pescoço, orelha ou ombro. Além disso, alguns cães costumam coçar uma área do pescoço, orelha ou ombro. Geralmente é sempre do mesmo lado, quando o animal está se movimentando, e muitas vezes a pata, ao coçar, não faz nenhum contato com a pele. Pacientes jovens podem desenvolver escoliose. Casos mais graves podem apresentar outros déficits neurológicos como fraqueza de membros ou ataxia (falta de coordenação motora). Paralisia do nervo facial, surdez e convulsões também foram associadas a esta doença, porém ainda faltam estudos para comprovar essa associação.

COMENTÁRIO SOBRE O PROGRAMA SEGREDOS DO PEDIGREE (PEDIGREE’S EXPOSED)

Em 28 de julho de 2009, a emissora de TV a cabo Animal Planet estreou um programa inglês, de produção independente, chamado “Segredos do Pedigree” (Pedigree Dogs Exposed), cujo foco principal foi nossa raça, tão querida, Cavalier King Charles Spaniel. Atualmente, o programa pode ser encontrado no YouTube. Nada contra a emissora, que eu, particularmente, gosto muito, e que sempre passou programas sobre criação de cães e exposições de beleza em cães de raça. Mas o programa em questão, apesar de relatar várias verdades, mostrou uma criadora inconsequente que não representa outros criadores da raça e foi sensacionalista, radical e de mau gosto.

Então, apesar da minha área ser a oftalmologia, como médica veterinária, gostaria de tentar explicar melhor a doença e o que nós, criadores sérios, estamos fazendo para tentar evitá-la.

Em primeiro lugar, o programa mostrou donos de Cavaliers dizendo que, quando adquiriram os animais, não sabiam nada sobre a doença. Isso porque eles não se informaram sobre a raça, antes de comprá-la. Somos completamente contra a compra por impulso, e sempre sugerimos que se estude muito sobre as raças antes de decidir qual é a que mais se encaixa no estilo de vida de cada um. Claro que o criador tem obrigação de informar os interessados e clientes sobre as doenças mais comuns na raça criada (embora a maioria não o faça). Porém, o comprador também tem a obrigação de pesquisar e estudar a raça, antes mesmo de comprar um filhote. Com a internet, hoje em dia, não existe desculpa para a falta de informação.

SOBRE A SERINGOMIELIA (SM)

Os criadores sérios de CKCS estão sim muito preocupados com a doença, assim como com a doença da valva mitral (também muito frequente na raça). Muito do dinheiro que financia as pesquisas sobre seringomielia vêm da doação dos clubes de criadores de CKCS ingleses e americanos.

A SM é a formação de dilatações ao longo da coluna cervical, próxima à região da nuca, por causa de mal-formações nos ossos do crânio (caixa óssea que envolve o cérebro e cerebelo), que causam uma interrupção do fluxo do líquor (líquido que circunda o cérebro e medula espinhal). Síndrome semelhante também ocorre no homem. Dizer que os Cavaliers têm um crânio muito pequeno para o cérebro, como “um pé 42 em um sapato 38” é errado. Tal lenda já foi propagada anteriormente com relação ao Dobermann, quem já não ouviu? O crânio normalmente desenvolve-se de acordo com o tamanho do cérebro. Se o cérebro cresce muito (como em casos de acúmulo de líquido, que ocorre na hidrocefalia ou “cabeça d’água”), a caixa óssea acompanha. É por isso que cães hidrocefálicos têm a cabeça tão grande. Várias raças, principalmente as braquicefálicas (focinho achatado), inclusive seres humanos, podem apresentar SM.

Para diagnosticar a doença, é necessário um exame chamado Ressonância Magnética, que, na medicina veterinária, só é realizadoapenas em SP e RJ, sob anestesia geral. A princípio, pensou-se que cães que apresentassem a mal-formação de Chiari, iriam apresentar, necessariamente, a doença seringomielia, e portanto, não deveriam acasalar. Mas depois de muitos estudos, chegou-se a algumas conclusões: muitos Cavaliers apresentam algum grau de mal-formação, provavelmente devido ao formato achatado da cabeça, mas, não necessariamente apresentam a seringomielia; cães que sofrem de seringomielia apresentam vários graus de mal-formação, porém não se conseguiu relacionar a gravidade da mal-formação com a gravidade da doença. Desta forma, um cão com morfologia craniana diferente não significa um cão doente. Além disso, cães sem mal formação podem produzir filhotes com mal-formação. Concluiu-se, portanto, que a ressonância magnética é um ótimo exame para diagnosticar cães doentes, porém não é um bom exame para selecionar reprodutores.

O ideal é que os genes responsáveis pela doença sejam identificados. Acredita-se que mais de um gene, recessivo, cause a doença. Quando isso acontecer, poderemos fazer DNA dos reprodutores e excluir os portadores desses genes. Muitas faculdades e entidades de pesquisa em todo mundo estão trabalhando com esse propósito.

A nós, criadores conscientes, só nos resta tentar “fugir” das linhas de sangue sabidamente doentes ou suspeitas. Não estamos, de forma alguma, ignorando a doença. Não apoiamos o depoimento da criadora inglesa Beverly Costello, que disse, no programa, que acasala seu macho já diagnosticado com seringomielia, fazer isso é um absurdo, uma covardia, um atentado contra a raça. Nenhum criador consciente, que ama a raça, faria isso. Cabe ao criador sério, e ao profissional médico veterinário, usar seus conhecimentos para reduzir a incidência destas doenças nesta raça que tanto amamos.

Atualmente no Brasil temos apenas um caso diagnosticado de seringomielia em Cavalier, de origem de fora do estado de SP. Acredito que conseguimos selecionar reprodutores de linhas de sangue bem confiáveis para seringomielia, com auxílio de criadores americanos e ingleses influentes e experientes que nos prestam acessoria.

Que a raça tem muitas doenças genéticas, isso tem. Outras raças têm também. Boxers e Goldens Retrievers têm maior incidência de câncer, Cocker Spaniels e Poodles de catarata e degeneração retiniana, Akitas de epilepsia e assim por diante. Até mesmo os vira-latas tem doenças: tivemos um vira-lata, o Negão, que com 8 anos de idade, apresentou morte súbita por causa de um tumor no coração. Temos uma vira-lata, a Pepê, que tem estenose pulmonar (uma doença cardíaca congênita!). Os dois, vira-latas. Querer acabar com os cães de raça por conta de doenças genéticas seria uma atitude muito simplista. Seria o mesmo que negar, a um homem com histórico de câncer na família, o direito de ter um filho. A medicina sabe que seu filho poderá sofrer deste mal, mas quem tem o direito de impedir? O fato é que todos os cães, assim como nós, humanos, vão morrer de alguma coisa: doenças, acidentes, assassinatos…e isso só cabe a Deus decidir…

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